segunda-feira

Quando a Morte dá Ritmo aos Vivos.

É impressionante como os mortos fascinaram, e fascinam, todas as culturas e sociedades do mundo, independente de espaço ou época. Os povos que deram origem aos gregos e romanos, ficavam no espaço onde estavam enterrado seus ancestrais, eram considerados deuses, e deviam ser respeitados e ritualizados. Faziam inúmeros rituais, incluindo dar bebida e comida ao morto, e seu maior pesadelo era não ter quem fizesse o mesmo por ele, chegando mesmo a criar a instituição da doação em casos da pessoa não ter tido filhos homens. O livro A Cidade Antiga reflete muito bem isso, e traça como essa religião influenciou o direito moderno. Mas não é esse o ponto, quem sabe, num futuro post, depois deu ter dado uma boa relida naquele livro.
Os egípcios, então, chegavam a construir piramides colossais para homenagear e guardar seus mortos mais ilustres, chegando a criar um livro de como seria a viagem do morto no pós-morte e criar maneiras de melhor preservar o morto. Poderia citar como em todas as civilizações a morte tem um papel de destaque, mas, sem dúvidas, nenhuma civilização teve os mortos com tanto destaque e respeito como as grandes civilizações ameríndias. Chega a ser macabro e fúnebre para nossos olhos greco-judaico-cristãos.
Citemos os Incas. A história dos Incas tem ínicio quando os irmãos Ayar saíem de qqosqo(atual Cuzco) com suas irmãs-esposas e um bastão de ouro, onde eles baterem o bastão de ouro e onde ele entrar sem dificuldade, será a sua "terra prometida". Isso aconteceu na antiga cidade de Acamama, Ayer Manco adota o nome de Manco Capac e ínicia a série de líderes e imperadores incas.
A origem da Nova Cuzco, uma cidade imperial digna do poder do soberano Inca, deve-se ao Pachacuti. Organizada em dois pólos; o santuário, o Coricancha e a praça central, o Huacaypata.
O Templo do Sol, divinidade maior dos Incas, ficava no central do Coricancha, local que traduz-se em lugar coberto de ouro, talvez pelo fato de suas paredes serem cobertas completamente de ouro. Este templo abrigava várias divinidades e rituais fúnebres, sendo, também, o local onde colocava-se as múmias de diversas linhagens imperiais.
Nossas fontes não são tão amplas, a maioria provém dos espanhóis do século XVI, havendo algumas discordâncias entre eles. Mas é certo que o culto aos mortos dava ritmo a vida dos vivos. Alternância das germianções, fecundidade, estações e muitas outras. Monumentos funerários serviam como marcos. Nenhuma múmia (huaca) recebia tanto zelo e cuidado, todas as múmias de uma mesma linhagem(ayllu) eram colocadas num mesmo local, seguro e precioso. Os espanhóis se espantavam com a total falta de medo da morte dos Incas, mas isso devia-se ao entendimento de morte dos ameríndios. Para eles, a morte era uma passagem de planos terrestres, sob forma imaterial. Não há parametros entre o pós-morte Inca e Cristão. Eles acreditavam que a força vital das criaturas só acabaria quando o corpo fosse completamente destruído, esse era o maior medo de todos. Quando o Atahualpa foi obrigado a se tornar cristão, sob pena de ser queimado, ele não teve saída, aceitou. Mais tarde, ele seria enforcado em uma emboscada, depois dos espanhóis terem feito uma das maiores faltas de respeito e honra da história.
Manter essa força vital dos corpos exigia muito dos vivos, o huaca sentia mais do que sede ou fome, sentia frio e calor. Mas todos os incas eram extremamente hábeis na mumificação. Mas, ao contrário de outras civilizações, a mumificação não era generalizada. As muitas múmias encontradas no peru deve-se, principalmente, ao cilma extremamente seco da região. O "método natural" consiste em colocar o morto em posição de cócoras na areia ou em uma caverna enrolado em vários fardos de um metro e cinquenta, chegando, ao todo, a pesar várias centenas de quilos. O método cirúgico, extremamente raro, consistia na retirada dos orgãos, cerebro, musculos da perna (eram substituídos por bastões). Depois da retirada, passava-se óleos de várias origens, animais e vegetais, por todo o corpo do futuro huaca. Não há indícios, além dos poucos relatos espanhóis, dessa prática cirúgica. Os mortos davam extremo trabalho aos vivos. Esses deviam alimenta-los; com milho, cobais, coca e chica; nos ayllu com frequencia, além de ter que cuidar da preservação do mesmo. Em contrapartida, se exigia muito deles, eles eram os mensageiros entre os homens e os deuses, deviam falar pela comunidade com os seres sobrenaturais. Entre os gregos, também havia a alimentação dos mortos, que eram os deuses ancestrais que protegeriam e cuidariam da família. Nas frequentes festas fúnebres, os mortos ilustres eram bem vestidos e colocados em poltronas de madeira para desfilar pela cidade. O irmão de Atahualpa, Huascar, teve a idéia de acabar com essa dispendiosa tradição, que via como um pesado cargo para a sociedade, principalmente os mais humildes; porém foi mal visto por todos e foi afogado, não teve direito a vida eterna. Episódio parecido encontramos entre os gregos, quando um general, depois de ter vencido uma grande batalha abandonou os corpos mortos e voltou com o restante. Privar os mortos em combate dos rituais fez com que executassem o brilhante militar.
O grandioso império Inca, que ergueu enormes construções em meio aos andes, prosperando tão bem, ou melhor que, as grandes civilizações européias da época foi derrotado e destruído barbaramente pelos conquistadores espanhóis. Ainda hoje, pela falta de arquivos que devemos ao Pizarro, que fez os antigos bárbaros rolarem em suas tumbas de raiva e inveja.
Esperamos, um dia, entender melhor a cultura e a sociedade das culturas ameríndias.
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A Cidade Antiga- COULANGES, Fustel de
Os incas, povo do sol- DÉCOUVERTES, Galimmard
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Ávilla Q.B Filho
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30/03/2009 09:13 pm
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